Wednesday, February 28, 2007

Procura-se um amigo

Imagem de Gettyimages.com

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração.
Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir.
Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa.
Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor...
Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo.
Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão.
Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados.
Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo.
Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo.
Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância.
Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade.
Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas.
Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Vinícius de Moraes

2 comments:

Conceição Alves Pinto said...

A procura de um amigo assim corresponde a uma procura de um sentido profundo para a nossa vida. Aliás eu cheguei a este poema depois de ler o das pegadas na areia. Pressinto que estes dois poemas em conjunto nos atiram para algo que vale a pena explorar

Ana Fernandes said...

Ola Conceiçao,

Obrigada pela visita. É agradável saber que há quem chegue aos nossos blogs por acaso e que acabe por gostar. Infelizmente nao tenho o dom da inspiraçao poetica. Mas adoro poesia e é sempre bom receber visitas de quem partilha o mesmo gosto que eu.

Obrigada também pelo caloroso email.

Um abraço,
Ana.